Tecnologia de quem? Modernidade de quem?:
Questionando o Questionamento da Tecnologia de Feenberg[1]
Por Tyler Veak
Em sua
trilogia de livros sobre a filosofia da tecnologia, Andrew Feenberg estabeleceu
uma das mais sofisticadas teorias da relação tecnologia/sociedade. Em seu mais
recente trabalho – Questionamento da
Tecnologia – Feenberg demonstra vigorosamente as deficiências das
tradicionais teorias sobre tecnologia, que caracterizam a tecnologia como
neutra, ou como um tipo de força autônoma, determinista e homegeneizadora que
atua sobre a sociedade. Em resumo, como Feenberg afirma, não há uma “essência”
da tecnologia. A tecnologia é definida localmente e de acordo com o contexto
pela relação particular da tecnologia/sociedade. Feenberg, de acordo com Don
Ihde, afirma que a tecnologia não pode nunca ser removida do seu contexto, e,
portanto, não pode nunca ser neutra (99:213). O design tecnológico é
inerentemente político. Conseqüentemente, a coação observada na escolha do
design não é alguma “essência” da tecnologia, mas pode ser explicada pelo
controle hegemônico do processo do design por atores privilegiados.
Ele sugere
que uma “política democrática radical de tecnologia” pode contrariar esta
hegemonia e abrir espaço para que a modernidade seja governada a partir de
dentro. O processo de escolha do design deve ser libertado através do que ele
chama de “racionalização democrática”, onde os atores subjugados interferem no
processo de design tecnológico para moldar a tecnologia de acordo com os seus
próprios fins. É de particular importância a afirmação de Feenberg de que as
lutas dos ambientalistas com a tecnologia representam “o domínio mais
importante da intervenção democrática na tecnologia” (199, 93).
Eu não
contesto a crítica de Feenberg sobre as filosofias essencialistas da
tecnologia, nem sua afirmação que o design tecnológico é político. Entretanto,
eu quero questionar a eficácia da sua proposta de uma “racionalização democrática”
do processo de design. Focalizando a “micro-política” das lutas locais sobre
designs tecnológicos, ele ignora totalmente o contexto mais amplo do sistema de
mercado global, e como a “lógica” do mercado parece sempre prevalecer.
Além disso,
a afirmação de Feenberg que os “ambientalistas” carregarão o fardo desta
transformação não se sustenta. A história indica que o seu otimismo é
infundado. As resistências populares normalmente são submetidas pelo fluxo
global de capital, ou cooptadas pela máquina burocrática (onde o ambientalismo
se torna tendência dominante). Eu argumento que qualquer tentativa de ligar a
filosofia da tecnologia e os ambientalistas deve mencionar nossa crescente
inclusão nos sistemas tecnológicos (i.e., segunda natureza), ou nosso crescente
desligamento do mundo material (i.e., primeira natureza)[1].
Antes de
seguirmos na proposta de Feenberg de uma política democrática radical da
tecnologia, é necessário primeiramente esboçar rapidamente sua crítica às
teorias tradicionais da tecnologia. Pouco precisa ser dito a respeito da
“neutralidade” da tecnologia. Desde que a natureza política-social do processo
de design foi exposto por Langdon Winner e outros, poucos permanecem adeptos à
teses da neutralidade da tecnologia (Winner 1985). Filosofias “essencialistas”
da tecnologia, por outro lado, ainda possuem muito crédito e, portanto, devem
ser comentadas.[2]
Feenberg argumenta que as interpretações
acadêmicas da construção social da tecnologia[3] têm estabelecido
convincentemente que a relação tecnologia/sociedade não é linear (99: 78-83).
Estes teóricos têm demonstrado através de suas análises de designs de artefatos
tecnológicos específicos que o processo de design não é determinista.[4] Existe um grau
significativo de eventualidade, divergência, ou, como nos termos de Feenberg,
“ambivalência” na relação da sociedade com a tecnologia (99: 76). A
caracterização essencialista da tecnologia como uma força racionalizante
autônoma agindo na sociedade é, portanto, invalidada pelos estudos
construtivistas sociais do desenvolvimento da tecnologia.
Enquanto o
construtivismo oferece um desafio sério às filosofias essencialistas da
tecnologia, Feenberg prontamente aponta suas deficiências, especialmente porque
se focaliza no desenvolvimento de sistemas/artefatos tecnológicos específicos
de maneira muito superficial (99: 11). O problema que o construtivismo ignora é
a ampla questão de como escolhas de design particulares são feitas em
detrimento de outras opções, que, como Feenberg argumenta, é uma questão
inerentemente política.
Para
formular sua política de tecnologia, Feenberg oferece uma crítica de dois
níveis: um focalizando o nível local do design tecnológico, e o segundo focalizando
um meta-nível de visão de mundo cultural, ou hermenêutica (i.e., o de
pressuposições e propensões inerentes às suas relações presentes com a
tecnologia) (1999, 202). Esta análise em dois níveis de Feenberg parece apropriada
– ele não está sozinho quando argumenta que movimentos locais, se ambientais,
tecnológicos, ou outros, devem ser reunidos nas importantes críticas de
meta-níveis da cultura/sociedade.
Adicionalmente
ao esboço do construtivismo mencionado acima, Feenberg também toma idéias
emprestadas da Teoria Crítica, especificamente de Habermas e Marcuse, para
chegar a sua proposta – uma “racionalidade democrática” da tecnologia. De
acordo com Feenberg, Marcuse estava certo em argumentar que a tecnologia é
socialmente determinada, como os construtivistas sociais da tecnologia têm
confirmado. Não obstante, Feenberg concorda com a crítica de Habermas sobre
Marcuse; que diz respeito ao apelo de Marcuse a um mito romântico de
“outsiders” como a base para sociedade se transformar (99: 153). Marcuse
argumenta que aqueles capturados pela sociedade “unidimensional” estão muito
inundados pela racionalidade instrumental para encontrar um meio de escapar, em
conseqüência, a mudança deve vir de “fora”, tanto por uma dimensão estética,
como por grupos marginalizados que não fazem parte da sociedade unidimensional
(Marcuse, 1964). Feenberg, por outro lado, argumenta que o objetivo “não é
destruir o sistema pelo qual eles foram enquadrados, mas alterar sua direção de
desenvolvimento através de um novo tipo de política tecnológica” (Feenberg,
1995: 35). Em outras palavras, conduzir o sistema a partir de dentro para sutis
hibridizações, não através de revolução de massiva.
Feenberg
adota a concepção de Habermas da comunidade democrática como o contexto que
libertará a escolha do design tecnológico das coações hegemônicas. Contudo, ele
faz significativas modificações na teoria de Habermas da ação comunicativa.
Habermas argumenta que a tecnologia é neutra, mas dominada pela racionalidade
instrumental e, portanto, um obstáculo para a ação comunicativa. O melhor que
se pode esperar, segundo Habermas, é manter a racionalidade instrumental da
tecnologia à distância de maneira que a comunicação possa progredir dentro da
comunidade democrática (Habermas, 1968).
Feenberg
argumenta que Habermas está errado em sua concepção de tecnologia como neutra e
instrumental. Novamente, a neutralidade da tecnologia não é mais discutível – a
tecnologia não pode ser separada do contexto cultural. No que diz respeito à
afirmação de Habermas de que a tecnologia é igual à racionalidade instrumental,
os estudos construtivistas de tecnologia têm demonstrado que os atores podem
influenciar com sucesso a escolha do design para os seus próprios fins
não-instrumentais. Contudo, visto que a luta com as escolhas de design é
centrada na tecnologia, Feenberg afirma que ela é “racional” – mas não instrumentalmente
racional (99: 105). Feenberg, portanto, traz a racionalidade para dentro da
visão de Habermas de uma comunidade democrática para chegar a sua sugerida
“racionalidade democrática”. Existe a possibilidade de escolher racionalmente
designs tecnológicos mais libertadores que ajudariam a desenvolver os vários
interesses da comunidade dos atores, como Feenberg afirma "existem meios
de racionalizar a sociedade que democratizam ao invés de centralizar o
controle” (1999, 76).
Há,
contudo, uma tensão óbvia entre a contingência observada no processo de escolha
de design, e as coações impostas por este processo pelo ambiente social,
político e cultural mais amplo. Feenberg caracteriza esta tensão como
“ambivalência” da tecnologia, de que ele fala nestes dois princípios que seguem
(1999, 76):
1.Conservação da hierarquia: a
hierarquia social geralmente pode ser preservada e reproduzida enquanto uma
nova tecnologia é introduzida. Este princípio explica a extraordinária
continuidade do poder nas sociedades capitalistas avançadas nas últimas
gerações, tornada possível pelas estratégias da modernização, apesar das
enormes mudanças tecnológicas.
2.Racionalização
democrática: novas tecnologias também podem ser usadas para minar a
hierarquia social existente ou para forçá-la a conhecer necessidades que ela
ignorou. Este princípio explica as iniciativas tecnológicas que muitas vezes
acompanham as reformas estruturais perseguidas pelos movimentos sindicais,
ambientais e outros movimentos sociais.
Feenberg
admite que é “inegável que as sociedades avançadas possuem as maiores
concentrações de poder em organizações mediadas tecnologicamente” e que “apesar
da resistência ocasional, o design das instituições técnicas desqualifica o
homem e a mulher modernos para uma participação política mais significativa”
(1999, 101). Não obstante, ele é otimista no que diz respeito à racionalização
democrática poder superar este poder já estabelecido: “as tensões no sistema
industrial podem ser entendidas numa base local a partir de ‘dentro’, por
indivíduos engajados em atividades mediadas pela tecnologia e podem atualizar
potencialidades ambivalentes suprimidas pela racionalidade tecnológica
prevalecente” (1999, 105). A parte mais importante do assunto, no que diz
respeito à proposta de Feenberg, é o grau em que a racionalização democrática
pode quebrar a conservação da hierarquia do capitalismo. A chave para esta
quebra, de acordo com Feenberg, é expor a hegemonia, que força a escolha de
design, através do que ele chama de uma reflexiva “hermenêutica da tecnologia”.
Feenberg
utiliza suplementos de algumas tradições intelectuais – a hermenêutica de
Heidegger, teóricos culturais tais como Foucault e Baudrillard, e a teoria
crítica – para revelar como os interesses de certos atores alcançam e mantém o
controle do processo de escolha de design.[5] De acordo com Feenberg, o
controle sobre a escolha do design não é necessariamente motivado
economicamente como muitos argumentam. Isto é, a eficiência utilitária do
mercado não é sempre o fator motivador. Freqüentemente, o objetivo é alienar os
trabalhadores, ou fazer com que a administração mantenha sua autonomia
operacional. (95: 87). Estes atores “estratégicos”, como Feenberg os chama, são
capazes de concretizar suas tendências particulares como um código tecnológico
dado (99: 113). E porque eles escolhem intencionalmente os designs tecnológicos
que mantém a autonomia operacional, a estrutura de poder centralizada e
hierárquica é perpetuada. Feenberg, portanto, admite que embora o poder
tecnocrático seja sem alicerces e contingente, ele, não obstante, tem uma
“tendência unidirecional” (1995: 92). Atores subjugados taticamente são, deste
modo, excluídos do processo de escolha de design a menos que a resistência seja
bem sucedida, o que Feenberg obviamente acredita que é possível.
O que é preciso, segundo Feenberg, é uma
teoria de mudança cultural: “Uma nova cultura é necessária para mudar os
padrões de investimento e consumo e libertar a imaginação para os avanços
tecnológicos que transformam o horizonte da ação econômica” (1999, 98).
Contudo, a transformação não diz mais respeito apenas à transferência de
capitais, por causa da “herança tecnológica” do controle hierárquico (Feenberg,
1991: 39). Feenberg acredita que o “ambientalismo”, enquanto traz outros
valores para conduzir o processo de design tecnológico, é um dos mais
promissores campos para evocar esta mudança
(1999, 92).
Crítica
De um lado,
Feenberg reconhece que a economia (i.e., o capitalismo) é o que mais dificulta
uma política mais libertária de tecnologia: “Os designs tecnológicos devem ser
independentes do sistema de lucros” (1999:57). Não obstante, ele argumenta que
esta dificuldade pode ser superada através da luta de vários movimentos locais
pela tecnológica. Para ilustrar, ele dá muitos exemplos destas “racionalizações
democráticas” da tecnologia, tais como a luta na internet, e a luta dos
ativistas da AIDS que de maneira bem sucedida tentaram influenciar no processo
de aprovação do medicamento FDA.
Contra
Albert Borgmann, Feenberg coloca a Internet como um exemplo de uma tentativa
bem-sucedida de conduzir a tecnologia para fins mais democráticos – ela aumenta
a comunicação (99: 191). E com certeza, a Internet uniu muitos grupos e
indivíduos muito diferentes que nunca haviam tido contato anteriormente. Não
obstante, no contexto mais amplo do sistema de mercado nós podemos ver que o
espaço para a escolha de design criado pela Internet está bem a caminho de se
tornar colonizado da mesma maneira que outros espaços de consumo – o Bill Gates,
ameaçador Sun Systems da Microsoft, propagandas em cada página virtual, lixo
eletrônico. Quanto tempo até que lógica do mercado prevaleça, ou será que já
prevaleceu? A Internet está ainda em sua infância, mas ela está rapidamente se
desenvolvendo[6]
(para usar o termo de Thomas P. Hughes), e cada passo dado diminui o campo de
ação, de modo que os atores correm riscos ao influenciar seu futuro.
Mesmo se
nós concedêssemos que é possível frustrar os planos da Microsoft e de alguma
maneira fazer com que a Internet continue como uma tecnologia libertadora,[7] quão democrática é a
internet? Isto é, qualquer um tem acesso? A resposta é não. Ela custa $2000
para ter acesso, e mais $20 por mês para poder permanecer com este acesso.
Ainda existem as parcelas para pagar os upgrades que são necessários fazer, e
seu computador de $2000 se torna obsoleto dentro de dois anos. No nosso novo
mundo virtual, a tecnologia se torna obsoleta de forma planejada[8].
Deixando a questão
econômica de lado, quantos realmente têm a habilidade técnica para entrar na
Internet ou alguma outra habilidade de “conduzir” a crescente tecnologia
virtual para seus próprios fins? De muitas maneiras a Internet está sendo uma
fonte de democratização, mas no fim do dia quão democrático é um sistema tecnológico
que na sua própria construção é programado para ficar obsoleto, que é baseado
no consumo sempre crescente, e exige dependência de uma elite com conhecimentos
técnicos[9] para administrar os
"problemas" – e eles são numerosos como muitos de vocês sabem.
Outro
exemplo de racionalização tecnológica oferecido por Feenberg é o do ativismo da
AIDS. Com certeza, o ativismo da AIDS resultou na mudança da direção da
pesquisa da AIDS e do processo de aprovação de um medicamento. Contudo, na sua
história de ativismo social, Steven Epstein conta um caso de cooptação e
fragmentação. Por causa da quantidade grande de experts envolvidos na pesquisa
sobre a AIDS, os ativistas estavam de certa forma dependentes de seus
adversários, os cientistas. Eles apenas poderiam ganhar credibilidade e
autoridade se tornando experts eles mesmos (Epstein, 351). O problema, contudo,
é que esta ênfase nos experts criou uma hierarquia entre os ativistas e
conseqüentemente uma fragmentação. Havia os "insiders" – os ativistas
que trabalhavam diretamente com os cientistas, e os "outsiders"
(i.e., todo o restante) (Epstein, 287). Além disso, por causa da imensa
quantidade de discórdias no que diz respeito à direção da pesquisa sobre a
AIDS, nem todas as vozes puderam ser ouvidas. Epstein conclui dessa análise do
ativismo da AIDS que para qualquer mudança significativa ocorrer “esforços...
precisam ser feitos em conjunto com outras lutas sociais que desafiam outras
causas, firmadas pelos sistemas de dominação” (Epstein, 352). Como a história indica,
é mais fácil dizer do que fazer.
Mesmo se
nós aceitarmos que alguns destes movimentos foram bem sucedidos, em qualquer
grau, existe algum perigo em celebrar estas vitórias importantes, mas no
entanto locais? No que diz respeito a isto, Feenberg parece cair na mesma
armadilha que os construtivistas, que ele prontamente critica. Ele parece
argumentar que se um processo de design particular é “democrático” então é bom.
Colocando o design tecnológico deste modo, seu otimismo se torna compreensível.[10] Existe um “progressismo”
implícito em sua atitude perante a tecnologia – isto é, o avanço tecnológico é
bom desde que seja democrático (como definido por ele). Contudo, focalizar
relações “particulares” com a tecnologia obscurece o fato de que a maior parte
das “vitórias” locais foram incluídas no contexto mais amplo do capitalismo global.[11] Numa análise profunda,
esta ênfase no local ofusca a hegemonia que, por um lado, Feenberg reconhece,
mas, por outro, não oferece uma estratégia real que não seja uma vaga noção de
uma “hermenêutica tecnológica reflexiva”. A hermenêutica tecnológica pode
formular questões profundas o suficiente para minar a atitude prevalecente de
“tecnologia igual a progresso econômico”? Em resumo, é difícil entender o
otimismo de Feenberg quando ele admite a “tendência unidirecional” do
capitalismo no sentido de “conservar as estruturas hierárquicas" através
do design tecnológico.
Mesmo que
não completamente pervasiva, parece que a lógica do mercado prevalece. A
história de Thomas P. Hughes sobre a indústria de utilidades elétricas é um dos
exemplos em que inicialmente uma quantidade grande de contingência existiu no
processo de design. Ele compara o desenvolvimento do sistema elétrico em
Chicago, Londres, e Berlim, e mostra como cada contexto modificou a forma do
sistema elétrico. Chicago era dominada pelos economistas liberais, Berlim por
uma regulação governamental forte, e Londres por uma ligação forte com a Igreja
– cada cidade dando, inicialmente, uma única face à “eletricidade”. Londres
ficou mais tempo possível fora da padronização com seu conglomerado de sistemas
elétricos extremamente fragmentados e não-padronizados. Todavia, Hughes afirma
que pelos anos de 1930 todos os três sistemas estavam homogeneizados pelas
demandas do mercado de eficiência utilitária (Hughes).[12]
Como no
caso da Internet, a “eletricidade” era tida como uma tecnologia libertária –
que emancipava a pessoa comum do trabalho pesado da vida cotidiana. Mas no fim,
nós nos encontramos mais profundamente enquadrados num sistema em que não temos
controle sobre nada e nenhum modo de sair – isto é, fomos absorvidos
completamente. Como em Londres, nós somos todos forçados a aceitar o padrão
(ex. Microsoft) no presente sistema (Internet). Por que a Internet deveria ser
diferente? O contexto mais amplo do sistema de mercado global ainda está se
intensificando, desde o nascimento da indústria elétrica. Conseqüentemente, a
menos que o contexto mais amplo seja adequadamente pensado, não há razão para
acreditar que as coisas serão diferentes da Internet, ou de qualquer outra
tecnologia que traga esperança.
Com
certeza, pode haver sucessos ocasionais na tentativa de modelar a modernidade
como Feenberg sugere, mas o grande trem do capitalismo em que a modernidade
está seguramente firmada prossegue:
Desde a
metade dos anos de 1970, os lares mais importantes reunidos, que significavam
1% dos lares do país, tiveram sua participação na riqueza nacional dobrada.
Agora este um por cento dos EUA possui mais riqueza do que todo os 95% da base
da pirâmide.
Este 1%
controla 40% por cento da riqueza. Os recursos financeiros são ainda mais
concentrados. Aquele 1% controla aproximadamente metade de todos os recursos
financeiros.
A Microsoft
CEO Bill Gates possui mais dinheiro do que os 45% lares da base da pirâmide
americana juntos. Pelo outono de 1998, os $60 bilhões de Gate [agora mais
próximos de 100 bilhões] estavam valendo mais do que o PNB da América Central
somado com o da Jamaica e da Bolívia.
Os salários
médios semanais dos trabalhadores em 1998 eram 12% mais baixos do que 1973,
calculada a inflação. A produtividade cresceu cerca de 33% no mesmo período. (Mokhiber
and Weissman, 1999.)
Trezentos e cinqüenta indivíduos possuíam a mesma riqueza do que toda
a metade inferior da pirâmide junta (Luke, 1997).
O controle
hegemônico da tecnologia pelo capitalismo tem tido um papel importante no
crescimento da desigualdade entre os que têm e os que não têm.[13] Mesmo hoje, enquanto
muitos países de nosso mundo estão em recessão, os Estados Unidos mostram um
fetiche tecnológico muito induzido economicamente. Em um mundo onde 20% da
população consome 80% de energia e recursos, deve-se pensar em como lidar com o
consumo (Boff, 18). Não pode se negar que muito desta desigualdade no consumo é
resultado dos sistemas de energia esbanjadores em que nós estamos enquadrados.
O crescente
enquadramento nos supersistemas tecnológicos, com as práticas consumistas
associadas, está na raiz da crescente desigualdade (Mellor). O que uma Internet
mais democrática significa para um nigeriano do campo sem eletricidade cuja
principal preocupação é conseguir água limpa, comida e combustível? Ou o que
significa o processo de aprovação do FDA para os africanos que sofrem com a
AIDS? Nada. Enquanto nós prosseguimos nos esforçando para “democratizar” o
mundo virtual, nós deixamos as coisas do mundo real muito, muito para trás.
Feenberg argumenta que o processo de design pode ser democratizado através da
inclusão do conhecimento aos subjugados, mas muitos do subjugados não podem nem
mesmo se fazer ouvir. E enquanto o ameaçador trem da tecnologia avança, estes
grupos marginalizados se tornam mais e mais distanciados de qualquer chance de
serem ouvidos. Obviamente, a tecnologia deve ser questionada, mas mais
importante é questionar o combustível que alimenta o trem da tecnologia – o
capitalismo.
O que é
necessário não é uma hermenêutica tecnológica, mas uma crítica substancial do
sistema global de mercado em conjunto com uma política ecológica simpática a
esta crítica.[14]
Os trabalhadores não podem resistir democraticamente as tentativas de
aliená-los, ou protestar pelas más condições de trabalho quando uma corporação
pode simplesmente se mudar para um outro país e continuar a explorar sem
resistência. Numa reflexão mais profunda, a lógica do mercado ainda domina.
Deve-se achar uma maneira de lidar com os capitais voláteis, para existir
alguma possibilidade de uma transformação significativa.
Esta é a
razão principal pela qual a fé de Feenberg nos movimentos de resistência
ambientalistas é infundada. Ele afirma que “enquanto um novo século começa, a
democracia parece balançar com um avanço adicional. Com o movimento
ambientalista conduzindo, a tecnologia está agora por entrar no círculo
democrático que se expande” (1999, vii). A história do ambientalismo conta uma
história menos otimista. A história de Andrew Hurley da comunidade siderúrgica
de Gary, Indiana, claramente retrata os problemas inerentes à sustentação dos
movimentos ambientalistas populares no contexto do capitalismo global. A análise
de Hurley demonstra como os esforços cooperativos foram frustrados. Apesar do
movimento ter inicialmente algum sucesso, a indústria de aço usou a retórica
dos “baixas econômicas” e das demissões para desconsiderar as reformas
ambientais e de segurança. Este tipo de retórica, como foi evidenciado,
transforma rapidamente uma revolta em solidariedade, porque reduz todo mundo a
uma mentalidade “melhor um pássaro na mão do que dois voando” (Hurley).
Além disso,
a ampla história ampla de Robert Gottleib sobre o ativismo ambiental indica que
movimentos populares são definitivamente esmagados pelo capitalismo ou
cooptados pela máquina burocrática de Washington – as grandes folhas de
pagamento, os lobistas de Washington, e as longas listas de membros que não fazem
nada além de assinar um cheque uma vez por ano. (Gottlieb).
Eu não
estou dizendo que estes movimentos nunca são bem sucedidos. Eles fizeram muitas
coisas boas, mas para quem? Em outras palavras, para quem o “círculo
democrático” está sendo expandido, e a custo de quem? Minha preocupação é esta,
porque o contexto mais amplo (i.e., do capitalismo global) não está sendo
adequadamente discutido, os problemas têm sido simplesmente retirados do nosso
campo de visão, e conseqüentemente ficam fora do nosso pensamento (e.g., A
criação das zonas de exportação sem barreiras tributárias no Terceiro Mundo, e
a abertura do NAFTA aos limites sulistas de
maneira que as corporações multinacionais estejam aptas a abrirem lojas
no lugar em que melhor possam explorar os trabalhadores.).
Com
certeza, a bem sucedida democratização do design tecnológico em uma instância
não significa, necessariamente, que alguém no Terceiro Mundo esteja saindo
perdendo. Em outras palavras, eu não estou sugerindo levianamente que o
Oeste/Norte deveriam jogar fora mais de um século de reformas políticas e
sociais, ou cessar de empenhar-se em outras reformas porque o resto do mundo
ainda não chegou a este nível. Ao invés disso, eu estou argumentando que focalizar a micro-política de relações específicas
com a tecnologia, como Feenberg faz, pode ser prejudicial se estas tecnologias
específicas fazem parte de um contexto mais amplo que aumenta a desigualdade
entre os que têm e os que não têm. Em resumo, Feenberg não “questiona”
suficientemente a tecnologia, que é extrinsecamente ligada a um sistema que
eleva intrinsecamente à desigualdade.
Conclusões
A despeito
da minha crítica, a análise de Feenberg permanece extremamente valiosa. Somente
sua crítica das filosofias essencialistas da tecnologia já é um importante
passo para esclarecer a futura direção da filosofia da tecnologia. Além disso,
utilizando o construtivismo, a teoria crítica e os estudos culturais, ele traz
algumas das mais sofisticadas teorias para se referir aos estudos da
tecnologia, e tem aberto novas formas de perceber a relação da tecnologia/sociedade.
Apesar de
Feenberg dar exemplos da “racionalização democrática” da tecnologia (i.e., onde
atores têm conseguido conduzir o design tecnológico para seus próprios
interesses), eu argumentaria que ele exagerou na importância dessas vitórias em
face ao contexto mais amplo do capitalismo global. Dando tempo e espaço, a
lógica do mercado permanece sendo a força prevalecente a moldar a modernidade.
Isto não
significa que a modernidade não pode ser significantemente modificada para
melhor. Nem eu estou sugerindo que o “sucesso” do mundo desenvolvido resulta
diretamente na opressão e exploração do mundo não-desenvolvido. Eu acredito que
a ênfase no sucesso local das
relações tecnológicas (que são elas próprias questionáveis) não apenas nos
levarão para longe do objetivo de uma modernidade mais democrática e
igualitária, mas como poderá, de fato, nos cega para a imersão numa sempre
crescente desigualdade que é condição de tantos no mundo de hoje. É ainda mais
significativo que, ao celebrar a “democratização” da tecnologia nestes
contextos limitados, Feenberg ignora amplamente o fato de que nós estamos nos
tornando cada vez mais parte dos sistemas tecnológicos (que são caracterizados
pelos consumo fetichizado) que nos tira mais e mais do mundo real em que muitos
ainda encaram problemas que ameaçam aspectos cruciais da vida.
Referências
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Timothy W. 1997. Ecocritique: Contesting the Politics of Nature, Economy,
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of Technology. Edited by Donald Mackenzie and Judy Wajcman.
Nós Precisamos de uma Teoria Crítica da
Tecnologia?
Resposta a Tyler Veak
Por Andrew
Feenberg
Deixem-me
começar por agradecer a Tyler Veak por sua crítica aguda ao Questionamento da Tecnologia. Estou
particularmente interessado no que ele tem a dizer na medida em que ele atacou
meu argumento a partir da esquerda, uma posição que eu esperava ocupar com uma
teoria crítica da tecnologia.
A crítica
de Veak diz que ao me focalizar em lutas locais pela democratização de
tecnologias específicas, eu esqueci que uma estrutura mais ampla do mundo do
mercado absorve tudo que ela toca e transforma em capitalismo consumista. Qual
é o sentido de democratizar esta ou aquela pequena esquina da vasta catástrofe
humana que é o capitalismo global? Por que criticar a tecnologia, quando os
economistas controlam nosso destino? Veak conclui que o que nós precisamos não
é uma teoria crítica da tecnologia, mas uma crítica da globalização econômica.
Afirmada de
maneira tão ruim, a principal falha na posição de Veak é óbvia: existe todo o
tipo de falsas dicotomias e nada nos compele a escolher entre elas. Em parte
alguma do meu livro eu proponho que a teoria crítica da tecnologia pode
substituir todas as outras formas de crítica social. Na verdade, como o próprio
Veak é obrigado a admitir, eu não sou mais entusiasta sobre o capitalismo do
que ele. Um capítulo inteiro é dedicado aos Eventos de Maio de 1968 na França e
à demanda por um socialismo auto-controlado que inspirou aquele movimento.
Outro capítulo discute o primeiro ambientalismo socialista de Barry Commoner.
Eu argumento que estes estavam entre muitos movimentos e debates que
politizaram a questão da tecnologia no fim dos anos 60 e no começo dos anos 70,
aos quais devemos nossa consciência crítica que agora possuímos da tecnologia.
No prefácio
do livro, eu também reconheço a importância do machismo, racismo e outras
formas de opressão que existem desde muito antes da tecnologia moderna e que
sobrevivem na nossa sociedade de hoje. Eu sugiro que a crítica da tecnologia é
sub-representada na esquerda apesar do fato de que os assuntos referentes à
tecnologia são cada vez mais centrais em muitos tipos diferentes de protestos.
Certamente esta posição não é prejudicial aos movimentos sociais progressivos!
Por que então a áspera crítica?
Poderia ser
que seja minha falta de ultraje moral que incomode Veak? É fato que embora eu
mencione muitos dos assuntos que ele considera importantes, eu não respondo a
eles como ele gostaria. Eu não coloco Bill Gates como um vilão, nem focalizo a
miséria absoluta dos mais pobres dos pobres. Diferenças como estas têm mais a
ver com o público-alvo pretendido do que com discórdias substanciais. Questionamento da Tecnologia não foi
escrito com a pretensão valorizar a livre objetividade científica, mas eu tentei
expor minhas preocupações sem martelar os meus leitores. Eu gostaria de ser
lido por estudantes e acadêmicos interessados nos estudos de tecnologia a
despeito de suas opções políticas.
Estes
leitores certamente estão conscientes da queda da União Soviética e
compartilham da desilusão que se espalhou com o tipo de socialismo que ela
representou. Contudo, eles devem ser críticos das empresas multinacionais, eles
não enxergam nenhuma alternativa. Denunciar o mundo capitalista é mais fácil do
que dar uma solução digna de crédito aos problemas que ele causa. O chamado por
uma estratégia da oposição global deixa de lado muitos céticos pela ausência de
lutas globais significativas. A gesticulação verbal não substitui a política,
embora seja muito popular na esquerda acadêmica.
As
gesticulações de Veak são, sem dúvida, honrosas, mas elas são também
particularmente desesperadas. Tudo é cooptado em sua visão. Mesmo as mais
esperançosas lutas, como aquela dos pacientes com AIDS por acesso ao tratamento
experimental, falharam em última instância.[15] A Internet logo será
totalmente comercializada.[16] O ambientalismo já se converteu
de movimento social para um planejado marketing. E assim segue. Se tudo isto é
verdade, nossas escolhas estão limitadas: nós podemos nos unir à trágica luta
contra o inevitável desgraça da Terra, ou assistir o desastre global no
relativo conforto da academia ocidental.
Enquanto eu
escrevia isto, uma pequena campainha soou na minha memória. Eu me transportei
de volta começo dos anos 70 quando alguns radicais denunciavam as pessoas do
oeste por estarem se beneficiando do mundo capitalista às custas do Terceiro
Mundo. As reformas nos países avançados eram inúteis, serviam apenas para
fortalecer um sistema opressivo. O verdadeiro agente da revolução era para ser
encontrado na África, na América Latina, Ásia, onde a sociedade de consumo
ainda não tinha corrompido todas as classes da sociedade.
Veak diz
que esta não é a sua posição, mas continua a afirmar – inconscientemente, me
parece – que as democratizações tecnológicas são “prejudiciais se estas
tecnologias específicas são parte de um contexto mais amplo que aumenta a desigualdade
entre os que têm e os que não têm”. Meus maiores medos se confirmam quando Veak
condena a eletricidade por fracassar na promessa que tinha em seu surgimento de
conquistar a libertação. Não me admira que ele tenha dúvidas quanto a Internet!
Como nós podemos aceitar as garantias de Veak de que ele é a favor das reformas
locais quando ele parece tão entusiasta em condená-las por mascarar os problemas
globais? Então, apesar das suas muitas afirmações de não pensar assim, eu sinto
Veak me descrevendo como político desacreditado da velha Nova Esquerda.
Questionamento da Tecnologia parte de
suposições e problemas inteiramente diferentes. Veak gostaria que mudássemos da
economia política para os assuntos sérios da crítica social, mas muitas
questões fundamentais da civilização passam pela distinção entre regimes
econômicos. Os teóricos feministas e raciais construíram uma visão de que a
questão da igualdade deve sempre estar presente. Abolir a discriminação sob o
capitalismo não abolirá a desigualdade econômica, mas isto é tão real que uma
reforma socialista da economia pode deixar a discriminação intacta. As reformas
repudiadas como distrações triviais por alguns revolucionários dogmáticos têm
feito a diferença. E este processo está longe de terminar. Os movimentos de
direitos civis, os movimentos das mulheres, os movimentos dos deficientes, os
movimentos ambientalistas continuam a ter impactos que seria tolice alguém
desconsiderar.
Os
problemas com a posição descompromissada de Veak se estendem mais, ao próprio
modelo de socialismo. A alternativa a um processo político baseado nos
movimentos sociais reformistas é o velho modelo estatista de transformação total. Na União Soviética, a revolução, a
nacionalização de capital, e o planejamento econômico aboliu de fato
instituições estatais e mercados padrões, mas isto não foi suficiente para
criar uma sociedade humana. Técnicas autoritárias de administração e gerência
imitadas do oeste, combinadas com uma feroz opressão política e policial,
tornaram-se muito mais significativas do que as inovações ideológicas e
econômicas, ambas inovações para a vida diária dos indivíduos e para o panorama
do regime. Presumivelmente, um desastre similar seguiria a abolição do
capitalismo global em favor do estilo soviético de socialismo em escala
mundial. Quem iria querer isto?
Se Veak é
representativo, é tempo de refocalizar a discussão entre teóricos radicais. Os
estudos tecnológicos podem contribuir para esta tarefa. Afinal, Marx deve ser
considerado o primeiro estudioso sério da tecnologia moderna. Ele observou que
a mediação técnica do trabalho acelerou o crescimento da economia, mas também
criou novas hierarquias sociais e crises econômicas devastadoras. Ao mesmo
tempo, Marx argumentou, a tecnologia trouxe um novo tipo de classe mais baixa
capaz de democratizar a economia e resolver seus problemas. Mais de um século
depois, nós vemos a mediação técnica alcançar muito mais domínio da produção em
todos os aspectos da vida social, seja na medicina, na educação, na educação
infantil, nas leis, nos esportes, na música, nos meios de comunicação, etc. E,
enquanto a instabilidade econômica do mercado capitalista reduziu
significativamente, em todo lugar aonde a tecnologia vai, as estruturas sociais
hierárquicas e centralizadas permaneceram. Neste contexto, a questão da
dominação pela tecnologia tem se tornado importante em muitos campos.
Lutas
contra o exercício arbitrário do poder tecnocrático têm ocorrido desde os anos
de 1960, começaram nas universidades e se estenderam a outras instituições, mas
muitas vezes é difícil classificar o resultado destes movimentos. Similarmente,
movimentos sociais têm desafiado design técnicos específicos nos campos da
computação e da medicina sem esperar pela benção da esquerda. Os estudos
tecnológicos têm contribuído para o nosso entendimento desses movimentos sem
precedentes. O livro de Steven Epstein sobre a AIDS, Ciência Impura, mostra como nós podemos aprender com as pesquisas
dos conflitos sociais com a estrutura técnica das nossas vidas.
Questionamento da Tecnologia está
situado neste contexto. É uma tentativa de fazer as conseqüências políticas da
mediação técnica generalizada fazerem sentido. O livro argumenta que a
tecnologia está emergindo como um assunto público separado de uma variedade de
lutas de alguma maneira parecido com o modo em que o ambientalismo emergiu
anteriormente de assuntos separados até então, como o controle da população,
controle da poluição, protestos nucleares, e assim segue. O aumento da esfera
pública incluindo a tecnologia marca uma mudança radical do consenso anterior
que assegurava que os assuntos técnicos deveriam ser decididos por especialistas
técnicos, sem interferência leiga.
É
irrealisticamente otimista esperar por desenvolvimentos positivos a partir
desta mudança? Talvez, mas eu faço afirmações nitidamente modestas para o que
tem se realizado até então. A questão não é se as lutas com a tecnologia farão
o trabalho da revolução mundial, mas se elas existem. Veak é otimista se ele
pensa que nós estamos prontos para tomar o mundo capitalista de mercado. Eu
estou preocupado com algumas coisas mais básicas, com a sobrevivência da atuação em sociedades tecnocráticas, e mais
particularmente, com a habilidade dos homens e mulheres modernos de atuarem
como agentes na esfera técnica a partir da qual a tecnocracia tira sua força.
Ao
contrário do que Veak afirma, esta abordagem não privilegia as lutas locais em
detrimento das globais. Agora não há lutas globais sobre tecnologia, se por
“global” entendermos o tipo de desafio total que nós associamos com a oposição
socialista ao capitalismo. Não há razão para supor que as feministas tentando
melhorar os procedimentos de parto ou protestantes que se opõem à energia
nuclear são diminuídos pela luta contra companhias multinacionais de óleo na
Nigéria, supondo, como Veak parece supor, que a última pode ser considerada
mais “global” do que as primeiras.
As
políticas técnicas envolvem hoje uma variedade de lutas e inovações com
conseqüências importantes para a estrutura das principais instituições técnicas
e para o próprio entendimento de pessoas comuns. Nós precisamos desenvolver uma
teoria que considere o crescente peso dos atores públicos no desenvolvimento
tecnológico. Que o capitalismo sobreviverá a esta ou aquela mudança técnica não
deveria nos surpreender mais do que sua capacidade de sobreviver aos movimentos
de mulheres ou aos movimentos pelos direitos civis.
Não
obstante, há uma diferença e talvez seja esta diferença que explique a
veemência do desafio de Veak e seu interesse em meu trabalho apesar de
discordâncias agudas. Apesar do capitalismo e do socialismo perpetuarem de uma
forma ou outra tais fenômenos pré-existentes como o racismo e o machismo, eles
podem – e nós esperamos que eles consigam – aprender a viver sem estas aberrações. Entretanto, a tecnologia
moderna é essencial para sua existência. Conseqüentemente qualquer mudança
maior na tecnologia levanta questões fundamentais de organização econômica.
O
capitalismo ainda extrai mais-valia da força de trabalho sem interesse em gerar
lucros para capitalistas. A medida em que aquela situação de conflito inerente
é estabilizada através de escolhas técnicas específicas, outras escolhas
técnicas podem desestabilizar o capitalismo. Nestes anos, a ideologia e a
administração tecnocrática tem emergido como uma aproximação efetiva para manter
massas subordinadas sobre as regras do capital. Pelas mesmas razões, para ser
útil nosso interesse continuo na era pós-soviética, uma alternativa ao
capitalismo deve estar em democratizar a administração técnica e as escolhas técnicas
sob condições econômicas que permitam a extensão da democracia para o mundo do
trabalho.
As
instituições centrais das sociedades modernas estão desta maneira correndo
riscos com o desenvolvimento tecnológico. Uma tendência de democratização ampla
que mine a ideologia tecnocrática na sociedade enfraqueceria a hegemonia do
capitalismo e bloquearia o regresso stalinista em parte da esquerda. Se uma
teoria crítica da tecnologia contribui com esta tendência, com certeza seria
suficiente para justificar esta existência, mesmo para a mais politicamente
comprometida das críticas.
Referências
Epstein, Steven (1996). Impure
Science: AIDS, Activisim, and the Politics of Knowledge.
Hughes, Thomas (1983). Networks
of Power.
[1] Primeira e
segunda natureza são termos usados, primeiramente pelos Teóricos Críticos, para
distinguir entre o mundo de cultura e tecnologia construído pelo homem e o
mundo material. Com certeza, como o próprio Marx admitiu, não existe uma
verdadeira “primeira” natureza, estamos falando de graus.
[2] As filosofias essencialistas de tecnologia tiveram origem em Heidegger e foram posteriormente desenvolvidas pelos integrantes da Escola de Frankfurt: Adorno e Horkheimer, e Marcuse.
[3] Que ele geralmente concebe incluindo construtivistas sociais, historiadores que contextualizam a tecnologia, tais como Hughes, e teóricos “actor-network”, tais como Callon and Latour.
[4] Ver Bijker, et al, 1987; e Bijker e Law, 1992 para uma exposição das várias escolas de estudos construtivistas de tecnologia, e de estudos de processos de design particulares.
[5] Adicionalmente, Feenberg explica como as filosofias “essencialistas” da tecnologia têm argumentado de forma errada uma essência da tecnologia, por causa de seu foco exclusivo no meta-nível da cultura. Se ignora-se a contingência evidenciada no nível secundário do design, como as teorias essencialistas da tecnologia fazem, é fácil perceber como a tecnologia pode ser mal interpretada enquanto força autônoma-racional-determinista. Feenberg argumenta prontamente que algumas vezes não é a “tecnologia” per se que demonstra esta trajetória linear, mas os interesses de atores particulares.
[6] Ou se tornando
“concreta”, para usar os termos de Feenberg.
[7] A Microsoft tem
se defendido de maneira bem-sucedida contra dois processos anti-trust que estão
correndo, e outros que ainda estão pendentes.
[8] Sem mencionar
que a rota econômica bloqueia as pessoas que vivem em países não-desenvolvidos,
onde o custo de um computador é freqüentemente duas ou três vezes seus salários
anuais.
[9] Para uma discussão sobre a emergente “elite técnica”, ver, Timothy
W. Luke. Capitalismo, Democracia, e Ecologia: Partindo de Marx. (Urbana and Chicago: University of Illinois
Press, 1999).
[10] Eu acredito que o otimismo infundado de Feenberg se deve a sua utilização da concepção de Habermas de uma comunidade democraticamente ideal que é limitada tanto temporalmente quanto geograficamente.
[11] Eu não estou desconsiderando as realizações dos movimentos de reforma social dos últimos séculos. Minha discórdia é sobre essa ênfase dada por Feenberg, que eu discutirei com mais detalhes abaixo.
[12] Enquanto Hughes admite que esta “resistência em assimilar” era uma limitação tecnológica que freava a indústria de utilidades elétricas, ele também concebe que a indústria seria consideravelmente diferente numa sociedade que não levasse em conta o “custo de capital” – i.e., se a indústria fosse dirigida por valores diferentes dos valores de eficiência utilitária e de mercado como “linha mestra” (463).
[13] Em face da crescente afluência de poucos, aproximadamente 20% dos americanos vivem agora abaixo da linha da pobreza. (CNN, July 11, 1999)
[14] Ver os trabalhos de Timothy W. Luke, David Harvey, e David Pepper como exemplos de crítica ao capitalismo e tentativa de formular algum tipo de política ambiental. Também um número de autoras eco-feministas (i.e., de linha socialista) tem feito uma argumentação similar: ver, por exemplo, os trabalhos de Mary Mellor, ou Carolyn Merchant.
[15] Veak atribue esta visão a Steven Epstein, quem na verdade tira uma conclusão contrária a essa. Ver Epstein, 1996 (353).
[16] Veak invoca o estudo de Thomas Hughes das utilidades da eletricidade para dar suporte ao seu pensamento, mas a analogia é fraca porque não há nada semelhante à resistência em assimilar na Internet. Ver Hughes, 1983 (cap. XV). Além do mais, continuam a haver inovações na Internet que contradizem os maus prognósticos de Veak, tais como a emergência de suporte para as comunidades online nos portais.