A Tecnologia Pode Incorporar Valores?[1]
A Resposta de Marcuse para a Questão da Época.
Andrew Feenberg
Por que voltar a pesquisar o passado filosófico e reanimar a
teoria da tecnologia de Marcuse? Não é ele um velho tecnofóbico, um ideólogo
marxista obscuro, um elitista pré-pós-moderno? O que nós ainda podemos aprender
com ele que não foi refutado pela nova geração de tecno-críticos do computador
ou que não foi melhor formulado por Baudrillard?
Eu faço estas questões impertinentes para motivar este artigo, que
não tem um propósito meramente comemorativo. Pelo contrário, acredito que
Marcuse é, hoje especialmente, importante para nós como um dos primeiros
pensadores que não apenas encarou as implicações técnicas da tecnologia
moderna, mas também formulou uma resposta tecnológica. Se aquela resposta é
inteiramente bem-sucedida é menos importante do que a nova relação que a
tecnologia envolve. Essa é relação que eu quero ressaltar nas reflexões que se
seguem.
A Questão da Época
O problema da relação da técnica com os valores aparece pela
primeira vez no Gorgias de Platão. Nesse diálogo, Sócrates debate a
natureza da techne, ou a “arte” da retórica. Ele faz a distinção entre
as artes verdadeiras, que são baseadas em um logos, e o que ele chama de
mera habilidade, empirae em grego, isto é, a norma prática baseada na
experiência, mas sem uma razão fundamental subjacente.
Para Platão, tal razão fundamental ou logos inclui
necessariamente uma referência ao bem (mercadoria) que se serve da arte. Se a
arte está na construção naval, seu logos instruirá não apenas o
construtor a colocar as tábuas de uma determinada forma, mas mais
especificamente o guiará de modo a fazer um navio que seja forte e seguro. A
arte do médico inclui não apenas várias noções sobre ervas, mas também a
incumbência curativa de administrar seus usos.
Essas artes são diferentes da mera habilidade de combinar pedaços
de madeira ou ervas sem um propósito subjacente. A lógica técnica e os valores
são combinados nas artes verdadeiras enquanto as habilidades servem para
propósitos meramente subjetivos. Mas porque nós estamos propensos a aceitar a
aparência pela realidade, e perseguir o prazer ao invés das mercadorias, para
cada arte existe alguma habilidade que imite seus efeitos e iluda suas vítimas.
A medicina correlacionada com os cosméticos dá aparência de saúde sem ser real.
A retórica, o poder de substituir a aparência pela realidade na linguagem, é a
habilidade suprema e mais perigosa. Em um debate sobre construção naval ou
medicina, o orador silenciará o técnico o tempo todo. Significa o triunfo sobre
os fins.
O mais articulado advogado das habilidades da retórica em Gorgias
é Callicles, que tem um apetite ilimitado por poder e prazer e pretende
obtê-los através de seu domínio dos truques da linguagem. Está claro na numa
leitura de Aristophanes, Thucydides e outros autores contemporâneos que aquela
ambição não era meramente uma idiossincrasia pessoal, todos eles denunciam a
degeneração moral e o egoísmo da Atenas imperialista do final do século V. Os
atenienses agiram como se o efetivo militar justificasse a posse e o exercício
do poder sobre seus vizinhos. A versão de Platão da questão de sua época era
então, muito simples, poderia estar certa? Sua resposta para essa questão é a
base do pensamento ético racional do oeste.
De certa maneira a idéia de Platão de techne parece óbvia.
As tecnologias são, de fato, subordinadas aos propósitos que aparecem nos
métodos técnicos como um guia para os recursos e procedimentos. Um programador
trabalhando para a Rolls-Royce Aircraft me explicou que passava 10% do tempo
fazendo programas que controlam os motores e 90% do tempo testando os programas
para assegurar a segurança daqueles que voam nos aviões que ele projeta.
Platão, sem dúvida, aprovaria: o logos está presente na Rolls-Royce.
Porém, nós modernos não podemos mais generalizar tais exemplos
como Platão fez. Para cada projetista de aeronaves, existe um construtor de
bombas em algum lugar. Nós ainda podemos nos referir a ênfase de Platão da
necessidade de um princípio fundamental, um logos, mas nós não temos
certeza de que isso inclui uma idéia de mercadoria. Na verdade nós tendemos a
pensar nas tecnologias como sem leis, como serventes de propósitos subjetivos,
pensamento bastante parecido com a maneira que Platão pensou as habilidades. O
que tem acontecido para que se desconecte techne e valor nos tempos
modernos?
O primeiro teórico da nossa visão moderna é Max Weber. Weber fez a
distinção entre a racionalidade substantiva e formal de maneira correspondente
à distinção de Platão entre techne e habilidade. A racionalidade
substantiva postula um bem e adapta os recursos para a obtenção dele. Muitas
instituições públicas trabalham com essa base: educação universal é um bem que
determina os meios apropriados, isto é, salas de aula e professores. A
racionalidade formal está preocupada unicamente com a eficiência dos meios e
não faz referência a um bem. Sua finalidade vem de fora, dos seus usuários.
Assim a racionalidade formal é um valor neutro, como a empiria de
Platão. A modernização consiste no triunfo da racionalidade formal sobre a
ordem mais ou menos racional herdada do passado. O mercado é o instrumento
principal dessa transformação, substituindo a lógica do dinheiro pela busca
planejada de valores. A burocracia e a administração são outros domínios em que
a racionalidade formal eventualmente prevalece.
A habilidade em Platão é subserviente à caminhada ao poder do
sujeito particular. Callicles, por exemplo. Nenhum significado maior prevalece
dentro dessa subjetividade puramente individual. O triunfo de Callicles
conduziria apenas à tirania e à reação anárquica que se segue. A neutralidade
do valor em Weber encerra um propósito similarmente subjetivo, todavia o
mercado e os processos políticos o provêm com um amplo significado de algum
tipo. A questão é: qual é este significado? O próprio Weber era
especialmente pessimista. Ele previu uma cela de ferro da burocracia
aprisionando a civilização ocidental. A lógica dos recursos técnicos empregados
na sociedade ocidental prevaleceu sobre os valores iluministas de liberdade e
individualidade. Uma ordem que estava emergindo necessitava de algum propósito
ou importância maior, mas aquela, pelo menos, era uma ordem. Isto é o que Weber
quis dizer com “diferenciação” de esferas. A empiria tem sua própria
lógica como um sistema de meios institucionalizado nos mercados e nas
burocracias, e aquela lógica irá se impor independente da vontade humana e de
qualquer concepção de bem (mercadoria). Esta é a diferença entre a tirania
individual que Platão temia, e a tirania dos meios racionais que assombravam
Weber.
A marca de Weber peculiarmente moderna de pessimismo encontra o
seu paradoxo em Heidegger. Escrevendo uma geração depois de Weber,
Heidegger muda a ênfase do mercado e da burocracia para a tecnologia. Sua cela
de ferro é um sistema de pesquisa e desenvolvimento, uma tecnociência.
Heidegger argumenta que a realidade é fundamentalmente reestruturada pela
tecnociência de um modo que esta tira da sociedade todas as suas
potencialidades intrínsecas e a expõe a dominação a serviço dos fins
subjetivos. O efeito geral desse processo é a destruição do homem e da natureza.
Um mundo “estruturado” pela tecnologia é radicalmente alienado e hostil. Mesmo
o moderno Callicles é capturado no sistema que ele acha que domina. A
tecnociência é mais perigosa do que a retórica ou o mercado. O perigo não está
meramente nas armas nucleares ou em alguma ameaça similar à sobrevivência, mas
na obliteração do status particular e da dignidade da humanidade como o ser
através do qual o mundo toma inteligibilidade e significado; visto que os
humanos têm se tornado meras matérias-primas, exatamente como a natureza que
eles fingem dominar.
Platão não estaria inteiramente surpreso com mudança de ênfase, do
abuso da empiria pelos seus usuários para a destrutividade inerente à
própria tecnologia, embora seja peculiarmente moderna. Essa mudança resulta do
fato que a tecnologia não apenas manipula as aparências na linguagem, mas se
impõe à realidade como um sistema. Em Heidegger, a questão da época é,
portanto, reformulada. Agora nós estamos menos preocupados com a justificação do
poder político do que com o desafio da sua presença sublime como tecnologia.
Nossa questão é: nós podemos viver com tecnologia; isto é, com o poder em sua
forma moderna? O problema ético dos direitos e do poder cedeu ao problema da
transformação destrutiva da tecnologia que opera tanto nos usuários quanto nos
seus objetivos. Nós estamos menos preocupados se os descendentes de Callicles
são legítimos do que se o mundo que eles dominam pode sobreviver aos meios
movimentados pela sua ambição ostentosa.
Nesse ponto, nós parecemos ter chegado no círculo perfeito. No
fim, o valor neutro da tecnologia contém, apesar de tudo, um valor nele mesmo,
e esse valor é a dominação pura. Este é o paradoxo da posição de Heidegger.
Como ele escreveu, “a característica saliente da tecnologia moderna consiste no
fato de que realmente não é mais meramente um “meio” e não permanece mais a
“serviço” dos outros, mas em vez disso revela um caráter específico de
dominação” (Citado em Zimmerman, 1990:214).
Este pano de fundo apronta o palco para a discussão da teoria de
Marcuse da tecnologia. Marcuse, obviamente, era um discípulo de Heidegger e
também profundamente influenciado pela filosofia clássica. Sua abordagem da
questão da época não era muito diferente da abordagem de Platão e de Heidegger.
Ele também se preocupava com o triunfo dos meios aparentemente sem normas sobre
os fins, da dominação sobre qualquer outro valor. Ele também se perguntava como
nós poderíamos sobreviver a nossa própria caminhada à dominação sobre a
natureza, agora que ela estava materializada em um sistema e não estava mais
restringida por um logo.
Tanto na crítica de Heidegger quanto na de Marcuse, a dificuldade
teórica principal consiste na afirmação simultânea da neutralidade da
tecnologia e de sua tendência à dominação. Como os meios meramente neutros
podem favorecer a dominação sobre a libertação? A neutralidade dos meios não é
uma garantia de sua indiferença no que diz respeito aos fins?
Marcuse dedica-se a essas questões mais explicitamente em
Ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional (1964). Neste
livro ele volta ao entendimento da razão e da verdade na ontologia clássica
para obter uma resposta. Para o entendimento dos gregos antigos é a capacidade
que distingue entre a verdade e a mentira, não apenas no reino das proposições,
mas também no reino do próprio ser. Todos os seres aspiram aos seus fins, em
uma forma perfeita que cumpra sua finalidade, seu propósito. Os seres reais são
imperfeitos, portanto, falsos. O julgamento racional de tal ser, portanto,
implica em um imperativo: ele é, também, alguma coisa.
Essa concepção ontológica da razão explica a noção platônica de techne.
O papel das artes é trazer o ser para sua forma essencial. Está
implícita em toda arte uma finalidade que corresponde à perfeição de seus
objetivos. A arte do governo visa tornar o homem justo; a arte da educação
procura desenvolver a capacidade racional que é a essência humana.
Nenhuma finalidade está implícita na tecnologia moderna. A razão
técnica moderna visa a classificação, a quantificação e o controle. Ela
reconhece apenas a experiência empírica como real. A tensão entre a verdade e a
mentira levada para além do empírico não tem significado algum para ela. O que
a antiga ontologia toma por uma finalidade intrínseca – a forma perfeita das
coisas – é tratada como uma preferência pessoal pela razão moderna. Essa razão
torna insignificante a diferença entre as potencialidades inerentes das coisas
e os desejos meramente subjetivos. Esta é a razão que está na base da ciência e
tecnologia modernas.
A razão moderna é dita ser um valor-neutro no sentido de que todo
e qualquer objetivo pode ser alcançado através dos meios racionais. Porém, essa
neutralidade também se mostra na recusa de fazer a distinção entre preferências
e potencialidades. Por exemplo, uma análise do estado conduzida nos termos
clássicos relataria isto imediatamente para os fins éticos, e.g., a justiça. A
abordagem moderna, desde Maquiavel, foca exclusivamente o maquinismo da coerção
e do consentimento sem se preocupar com os propósitos do todo. Mas como os fins
do governo, da justiça, podem ser colocados no mesmo plano do desejo de poder
de um Callicles? Uma tendência se revela nessa equivalência, uma tendência que
está toda em benefício de Callicles, cuja ambição agora é tomada não menos
seriamente do que um propósito público verdadeiro, visto que ambos são
considerados como meramente subjetivos. É essa abstenção de qualquer julgamento
do que á acidental e do que é essencial que é a origem da violência da razão
moderna, que se coloca a serviço do status quo.
O sistema de classe se beneficia dessa recusa de identificar
potencialidades no que é empiricamente dado. Sua existência depende da
supressão do potencial de uma ordem social pacífica e igualitária tornada
possível pelo avanço tecnológico. Marcuse argumenta que a racionalidade formal
contribui para manter e reproduzir tal dominação, que até agora está
estabelecida dentro da estrutura inerente da sociedade.
O mundo do trabalho é o domínio principal do qual o sistema de
classes depende para a continuidade da dominação. Se a autonomia e a
auto-realização dos trabalhadores são tratadas como preferências subjetivas ao
invés de uma potencialidade humana, elas perdem a força normativa para conter
rumo do capital para o lucro e a eficiência. Esse rumo, incorporado à
tecnologia que exige um governo ineficiente e podado, aparentemente refuta
esses fins humanitários supostamente subjetivos. A autonomia e auto-realização
em uma linha de montagem permanecem o mais puro sonho enquanto os produtos
reais saem da linha e provam o seu valor. Isto é o que Marcuse quis dizer
quando escreveu: “A razão teórica, que permanece pura e neutra, introduziu-se
no ramo de atividades da razão prática... Hoje, a dominação se perpetua e se
estende não apenas através da tecnologia que como tecnologia provê a
ampla legitimação da expansão do poder político e absorve todas as esferas da
cultura.”(1964:158)
Enquanto as linhas gerais da crítica de Marcuse do valor da
neutralidade têm uma certa similaridade com as de Heidegger, Marcuse se coloca
muito mais próximo da demanda ontológica clássica por finalidade. Como
resultado disso, o seu pensamento é muito mais positivo e acessível do que o
dos seus professores. Partindo do sofrimento e das lutas atuais sob a dominação
tecnológica, Marcuse, diferentemente de Heidegger, respondeu à demanda por uma
solução concreta, uma alternativa. De alguma maneira os potenciais suprimidos
devem ser libertados para o desenvolvimento livre.
O marxismo parece pronto para explicar como, mas a história tem
deixado ultrapassada a sua ênfase nas relações de propriedade e seu otimismo
tecnológico. A tecnologia moderna não pode simplesmente ser organizada num
movimento para realizar fins radicais. A lógica de suas operações normais os
contradizem. De que maneira ela poderia fazer a linha de produção retornar à
cena da representação própria, ou disseminar propaganda por cultura e livre
pensamento? O caráter sistêmico da tecnologia moderna bloqueia os recursos para
esses propósitos. Marcuse concluiu que a ciência e a tecnologia precisam ser
reformadas nos seus níveis mais fundamentais, no próprio nível da racionalidade
tecnológica. Ele escreveu: “A liberdade, de fato, depende muito do progresso
técnico, dos avanços da ciência. Mas esse fato facilmente obscurece a
pré-condição essencial: a fim de se tornar veículos de libertação, a ciência e
a tecnologia teriam que mudar sua direção e seus objetivos atuais; elas teriam
que ser reconstruídas de acordo com uma nova sensibilidade de demandas dos
instintos de vida. Então alguém poderia falar de uma tecnologia de libertação,
produto de uma imaginação específica livre para projetar e esboçar as formas de
um universo humano sem exploração e labuta” (Marcuse, 1969:19).
Não apenas os fins da produção, mas os meios devem
ser transformados já que eles incorporaram a dominação na sua estrutura. Uma
alternativa verdadeira teria que mudar tanto a base material quanto as
estruturas institucionais. Este é um afastamento radical do marxismo tradicional.
Marx, Engels, e Lênin condenaram a sociedade existente pela sua falta de
habilidade para desenvolver a base tecnológica existente ao máximo. Marcuse
argumenta que o problema hoje não é tanto desenvolver aquela base quanto usá-la
para criar uma base nova e diferente.
Essa ênfase na transformação também distingue a crítica da
tecnologia de Marcuse da crítica de Heidegger e ainda mais da Escola de
Frankfurt. É verdade que a tecnologia tem o poder e as conseqüências que
Heidegger e Adorno denunciaram, mas ela também continua a carregar consigo uma
promessa. Em Heidegger pode-se esperar por uma “relação livre da tecnologia”,
uma mudança salutar em atitude; Adorno oferece um pouco mais com o seu conceito
de iluminismo adaptado à “obediência da natureza”. Marcuse, muito mais radical,
convoca uma mudança na própria natureza da instrumentalidade, que seria
fundamentalmente modificada pela abolição da sociedade de classes e seus
princípios associados. Assim Marcuse dá a questão da época uma volta adicional.
Esta não é apenas uma questão ontológica de o que a tecnologia está fazendo de
nós; essa questão, sem dúvida, precisa ser feita, mas nós devemos também nos
perguntar a questão política do que nós podemos fazer da tecnologia.
Marcuse argumentou que a saúde e o bem-estar do mundo objetivo
está em nossas mãos, e nossa própria existência e felicidade dependem de
reconhecer as potencialidades antes dominá-las de maneira destrutiva. Uma
sociedade pós-revolucionária poderia criar uma ciência e uma tecnologia novas
que alcançassem seus objetivos e nos colocassem em harmonia com a natureza. A
tecnologia e a ciência novas tratariam a natureza como outro sujeito ao invés
de tratá-la como uma mera matéria-prima. Os seres humanos poderiam aprender a alcançar
seus objetivos através da realização de suas potencialidades naturais inerentes
ao invés de devastá-las para os fins do poder e do lucro.
Está implícita nessa abordagem uma restauração moderna de uma
concepção clássica de techne. A tecnologia precisa ser reconstruída ao
redor da concepção de bem, na terminologia de Marcuse, ao redor do Eros.
O novo logos deve incluir um punhado de essências, e a tecnologia deve
ser orientada para a realização das potencialidades inerentes. Como Marcuse
escreveu, “O que está em jogo é a redefinição dos valores em termos técnicos,
como elementos nos processos tecnológicos. Os novos fins, como fins técnicos,
operariam então no projeto e na construção da maquinaria, e não apenas em sua
utilização” (1964:232). Marcuse exigia dessa forma a reversão do processo de
neutralização pelo qual a racionalidade formal tem sido separada da
racionalidade substantiva e tem sido subserviente à dominação.
Ainda que nós fôssemos gostar muito de reavivar o antigo conceito
de techne, ele se apóia numa ontologia fora do contexto com implicações
socialmente conformistas. Os critérios em termos dos quais as potencialidades
eram atribuídas às coisas antigas eram critérios da comunidade, aceitos sem
críticas pelos filósofos. Por exemplo, pareceu óbvio que “o homem é um animal
racional” aos filósofos cuja sociedade valorizou a reflexão sobre o trabalho. A
filosofia grega traiu uma fidelidade inconsciente às limitações que excedem
historicamente a essa sociedade. A filosofia moderna não pode proceder desse
modo ingênuo, mas deve exigir razões, terrenos definitivos. Como Marcuse pode
justificar uma concepção normativa de potencialidade? Quais são, por exemplo,
os terrenos para a liberdade preferentemente realçada no local de atuação da
dominação de classe?
A resposta de Marcuse a essa questão era historicizar a noção de
essência. Isto não é tão implausível quanto parece. A concepção grega da coisa,
substância, não era estática. Ela inclui um movimento inerente para formas
superiores. Na verdade o mundo grego “dinâmico”, traduzido como “potencial”, já
implica um tipo de energia e empenho. Essas formas superiores poderiam ser
identificadas por um tipo especial de inteligência abstrativa que se despisse
das características contingentes (125-126). O esforço de passar pela formas é
negativamente evidente na própria experiência, no mundo sofrido e rivalizado de
tensões internas de que razão analisa.
A filosofia antiga juntou o Logos ao Eros na sua
combinação de abstração teórica e de empenho voltado para a busca pelo bem. Mas
ela carecia de uma auto-consciência histórica. A dinâmica temporal se funda em
coisas que eram específicas para um indivíduo ou uma espécie. Cada tipo de
coisa tinha a sua própria essência, e, não obstante essas essências fossem
objetos de rivalidade, elas mesmas não existiam pontualmente. Conseqüentemente
os filósofos antigos chegaram a uma concepção estática de essência que poderia
até tomar a forma de idéias eternas.
Hoje tal concepção ahistórica de essência é inaceitável. Não
apenas as coisas individuais são superadas pelo tempo, mas as essências também.
Isso é especialmente óbvio em nosso entendimento moderno das coisas do homem.
Nós sabemos o que os seres humanos fizeram deles mesmos e do seu mundo no curso
da história. Se nós revivêssemos a linguagem da essência hoje, sua
conceitualização deve compreender, antes do que conduzir, a observação dessa
história. A ambição de Marcuse era, portanto, reconstruir tanto o Logos quanto
o Eros como categorias históricas, isto é, reinterpretar as tensões
observáveis na realidade como parte de um amplo processo histórico.
Esse historicismo marcusiano evita uma concepção exclusivamente
racionalista dos terrenos onde se identificam as potencialidades, e as ligações
do seu pensamento com o materialismo e o anti-utopismo da tradição marxista. A
dialética, como uma lógica das interconecções e dos contextos revelada no
conflito histórico, oferece uma alternativa moderna ao dogmatismo antigo. Dessa
maneira, apesar das referências de Marcuse às essências, a biologia, aos
instintos e coisas semelhantes, ele nunca entreteve uma concepção estática da
natureza humana. Os critérios do avanço social, tais como o fim do sofrimento
desnecessário, não estão assentados na biologia ou são derivados de um ideal de
homem, mas são antes reflexões das exigências e lutas reais.
Marcuse chama os conceitos dialéticos mais gerias de universais
críticos ou “substantivos”. Esses universais não são tão ideais no sentido
usual, mas funcionam como uma articulação conceitual das tensões sociais que
revelam a repressão e a coação. Por exemplo, o “ideal” de liberdade, entendido
como o livre desenvolvimento de um propósito autônomo, valida simplesmente o
esforço para realizar as potencialidades. O conteúdo de um universal tal como
esse deriva das tensões da realidade e não da noção especulativa pré-concebida
ou de um consenso social aceito sem críticas.
Entretanto, essa dimensão histórica de dialética é ela própria
insuficiente para o terreno da teoria. As lutas atuais podem nos mostrar a
existência das potencialidades reprimidas que poderiam ser concretizadas numa
sociedade mais livre. Mas a articulação do conteúdo da existência daquelas
potencialidades e a colocação de algumas sobre as outras, os conceitos
pressupostos, a linguagem, a tradição não são inteiramente reduzíveis àquelas
lutas. Permanece uma lacuna entre a realidade empírica com todas as suas
tensões internas e a visão de uma sociedade melhor. Marcuse preenche essa
lacuna com três mediações dialéticas: uma análise das melhoras possibilitadas
tecnicamente na situação humana sob as condições dadas; a herança da tradição
filosófica ocidental em que os universais substantivos primeiro se
desenvolveram e adquiriram seus contornos básicos; e as projeções de uma razão
imaginativa, livre para combater a realidade esteticamente. A herança teórica,
voltando aos gregos, está traduzida nos termos práticos por uma techne
moderna que responde às tensões internas da realidade com soluções técnicas
guiadas pela experiência estética.
Por que estética? Com certeza este é um lugar estranho para se
procurar por uma solução para os problemas da tecnologia moderna. Todavia
considere as dificuldades da posição de Marcuse. Ele argumentou que a
tecnologia é um sistema poderoso com uma lógica própria, independente dos
objetivos a que ela serve e que domina todas as coisas com as quais entra em
contato. Esta lógica está baseada na recusa de reconhecer os potenciais
inerentes; todos os objetivos são atribuídos à subjetividade humana. Sendo isto
verdade, se mudássemos meramente os objetivos, esta lógica não mudaria, o que é
a fonte da ameaça definitiva. Para fazer alguma diferença neste nível, a
tecnologia deve ser transformada para reconhecer as potencialidades inerentes.
Mas Marcuse também aceita a visão moderna de que as essências não
podem ser baseadas nas tradições existentes e nos padrões da comunidade, nem
derivadas especulativamente de uma metafísica de algum tipo. O que ele chama de
“pensamento unidimensional” representa aquele cepticismo moderno por rejeitar
inteiramente a idéia de essência e permanecer no nível da observação empírica.
Este pensamento, deste modo, evita o conformismo limitado pela tradição e a
metafísica fora de época, mas apenas por evitar as premissas do pensamento
tecnológico. Este pensamento não reconhece as potencialidades inerentes mais do
que a tecnologia reconhece, e não oferece, portanto, orientação para a reforma
tecnológica. Como, então, a tecnologia pode reconhecer estes valores
essenciais? Para quais critérios Marcuse pode apelar?
Enquanto estes problemas teóricos dificultam o progresso, são as
influências da Escola de Frankfurt e da fenomenologia no seu pensamento que
sugerem uma solução estética. Da Escola de Frankfurt, Marcuse deduziu a noção
de experiência, de um modo mais fértil e original, que foi frustrada por um
foco superficial da luta pela sobrevivência na sociedade de classes. O reino da
arte estava diferenciado como imaginação, e a razão se separava deste contexto.
A razão se tornou técnica enquanto a imaginação conservou imagens de uma
existência perfeita, uma negatividade persistente que era confinada em
segurança a um reino artístico marginal. Da fenomenologia, Marcuse deduziu a
noção de uma “Lebenswelt estética” como o local de uma ordem diferente
de experiência que revela as qualidades estéticas dos objetos. A experiência
estética é um domínio hoje marginalizado, colocado fora de ação quando vem à
tona um assunto como o domínio técnico do meio-ambiente, mas ela pode se tornar
central numa sociedade libertada.
A influência fenomenológica primária de Marcuse parece ser
Heidegger, não obstante ele raramente admita isso, talvez por causa de suas
profundas discordâncias políticas. Como Heidegger ele vê a tecnologia com mais
do que técnica, como mais ainda do que política; ela é a forma da própria
experiência moderna, o principal modo em que o mundo é revelado. Para ambos
filósofos a “tecnologia” estende o seu alcance para além dos limites do
equipamento presente. Isto significa uma maneira de pensar e um estilo de
prática que envolve uma reestruturação quase transcendental da realidade como
um objeto de controle técnico. A libertação desse tipo de forma de experiência
apenas pode vir através de outra forma de experiência. Em termos
heideggerianos, como Dreyfus os explica, Marcuse busca uma nova revelação do
ser através de uma transformação das práticas básicas (Dreyfus, 1995).
Essas considerações fenomenológicas explicam porque a razão
instrumental existente não pode servir aos fins radicais. Esses “fins” não são
meramente objetivos a ser buscados com meios técnicos apropriados, mas as
formas de um novo tipo de experiência pertencente a uma nova ordem social. Para
esses fins operarem na estrutura da maquinaria, como Marcuse requer, eles devem
primeiro aparecer na estrutura dos próprios objetos, como essências, e não como
desejos ou vontades subjetivas.
Como essas essências são apreendidas na experiência estética? Essa
é a questão do modo de abstração apropriado a uma reconstrução moderna do
conceito de essência. Uma vez que a metafísica e a tradição foram excluídas da
ordem, é apenas através da compreensão imaginativa da realidade que a razão
pode passar de uma mera catalogação e quantificação dos objetos na busca do
controle para uma apreciação da sua verdadeira verdade. A reflexão sobre a
experiência estética dá suporte a um tipo de julgamento racional que pode
identificar a “Forma” significativa da realidade, que pode distinguir essência
de incidente, potencialidades superiores de existência empírica truncada.
Seguindo Hegel, Marcuse chama este ato abstrativo associado com a percepção
estética de uma “redução estética” (1964:239). Ela consiste em acabar com os
aspectos contingentes dos objetos, que os restringem e os atrofiam, a fim de
alcançar ao que eles poderiam ser se fossem libertados para o seu livre
desenvolvimento.
A redução estética carrega a teoria dialética da essência além da
teoria; ela demonstra no nível teórico a reivindicação da experiência estética
e transforma esta experiência em imagens positivas. Aqui a beleza é o símbolo
de bem, a revelação do ser em sua plenitude. A imaginação passa pelas
fronteiras da sociedade de classes e, ao se tornar “produtiva”, guia a prática
técnica para trabalhar pela a “existência pacífica”. Uma razão transformada em
“livre por liberar as exigências da imaginação”, chega a vários caminhos
diferentes de governar o mundo.
A prática artística oferece a Marcuse um modelo de uma instrumentalidade
transformada, diferente da instrumentalidade para a conquista na natureza,
característica da sociedade de classes. Semelhantemente às vanguardas
artísticas do começo do século vinte, Marcuse acredita que a idade de ouro
dividida entre a experiência estética e a vida diária poderia ser transcendida
através da razão e da imaginação agitadas. A ciência e a arte se uniriam na
criação de uma nova base técnica. Essa noção relembra o slogan dos Eventos
Franceses de Maio, Todo o Poder à Imaginação, e na verdade Sobre a
Libertação (1969) é dedicado aos jovens militantes de maio de 68.
Considerando tudo isso reunido no nível da teoria pura, mas de
forma concreta, como seria uma techne moderna? Marcuse argumenta que ela
incorporaria valores na sua própria estrutura, que seria essencialmente
orientada para o bem. Mas o que isso significaria na prática? A maior parte da
crítica a Marcuse oscilou entre duas possibilidades óbvias.
1) Se uma nova racionalidade tecnológica esteticizada tivesse que
ser baseada em princípios técnicos completamente novos, então toda a teoria é
amplamente inacreditável. Quem inventaria esses princípios, e como eles seriam?
Mas ainda que às vezes pareça que Marcuse pretenda uma ruptura total com o
passado, a transformação da racionalidade tecnológica que o interessa não
deveria supostamente refutar a aritmética elementar, mudar uma casa decimal do pi,
ou encontrar substitutos esteticamente agradáveis para a manivela e a roda. Nem
iria, como Habermas sugeriu, requerer uma comunicação individual com a natureza
ao invés de seu controle técnico. Marcuse não acreditava que era possível
substituir a tecnologia por algum tipo de união mística do homem com a
natureza. Aquele era o ponto de vista que ele atribui a seu velho amigo Norman
Brown e que distingue rigorosamente de sua própria posição materialista.
2) Talvez Marcuse tivesse ambições mais modestas e apenas
esperasse que a tecnologia, como nós a conhecemos, fosse usada para melhorar ao
invés de destruir a vida. Mas se ele pretendia não inovar nada mais do que
isso, é difícil descobrir como, praticamente, a sua posição diferiria de
uma simples mudança de objetivos. Claro que nós poderíamos nos livrar das
linhas de montagem e do mercantilismo, mas isso exigiria uma mudança
tecnológica verdadeiramente fundamental? Se a nova tecnologia é
simplesmente uma coleção de novas aplicações baseadas nos princípios técnicos
existentes, então é difícil enxergar o porque de tudo isso. Mas o próprio
Marcuse rejeita esta posição modesta e, conseqüentemente, fala da necessidade
de uma mudança na racionalidade instrumental e não meramente nas utilizações da
tecnologia.
Nenhuma dessas interpretações está de acordo com os seus textos,
que rejeitam explicitamente ambas. Este é o enigma de Marcuse que tem
atormentado todos os seus intérpretes. Eu consigo ver apenas uma solução para
isso. Não é uma solução formulada pelo próprio Marcuse, mas eu acredito que ele
poderia ter aceitado-a, que ela é compatível com o seu pensamento.
A dificuldade de interpretar Marcuse é causada pela confusão de
termos e níveis que suas próprias formulações proporcionam. O termo chave
“racionalidade tecnológica” é às vezes igualado à razão tecnológica em
geral, ou apenas a tecnologia existente, ou às vezes empregado de formas
modificadas tais como “racionalidade pós-moderna” para se referir a uma techne
futura libertada. Ademais, porque Marcuse não analisa exemplos concretos,
não é fácil desenredar seu conceito de racionalidade tecnológica de outras duas
dimensões mais familiares de tecnologia, a saber, os princípios técnicos
básicos e sua utilização concreta. Contudo a racionalidade tecnológica deve ser
diferente de ambas, ou Marcuse teria usado uma linguagem ordinária para se
referir a ela? O que, então, ela deve ser?
Uma leitura comum vindo de Habermas identifica a “racionalidade
tecnológica” em Marcuse com o interesse genérico em controle tecnológico,
eficiência abstrata. Mas isto nos leva direto às duas interpretações
inaceitáveis esboçadas acima: ou Marcuse quis que nós inventássemos um novo
tipo de tecnologia que não envolveria controle e eficiência, ou ele meramente
escreveu de uma maneira confusa sobre a necessidade de utilizar o controle
tecnológico e a eficiência para novos propósitos, uma idéia trivial.
Eu sugiro uma interpretação diferente, que no fim não toma Marcuse
como um sonhador ou para um obscurantista, e que está de acordo com a sua
própria ênfase na importância de situar conceitos abstratos como “eficiência”
em um contexto social concreto. Deste ponto de partida, seu conceito de
racionalidade tecnológica não pode ser idêntico aos conceitos formais de
eficiência e controle, mas deve ter tanto um conteúdo social como um padrão
socialmente específico de orientação objetiva.
Não há, de fato, uma necessidade por tal conceito, intermediário
entre os princípios formais de economia e engenharia e as utilizações desses
princípios nos instrumentos e sistemas presentes. Os princípios técnicos apenas
se tornam historicamente ativos através de uma cultura de tecnologia. As
utilizações não são designadas em função de princípios técnicos abstratos
sozinhos, mas absorvem esses princípios apenas se eles são incorporados às
disciplinas técnicas concretas. Como instituições sociais, essas disciplinas
operam sob vários tipos de coação, incluindo os imperativos sociais que
influenciam na sua formulação dos problemas e soluções técnicos e que aparecem
nas utilizações que eles projetam.
Eu suspeito que o que Marcuse quis dizer com o seu termo
“racionalidade técnica” eram os imperativos sociais mais fundamentais na
forma em que eles eram internalizados por uma cultura técnica. Tais
imperativos fundamentais amarram a tecnologia não só à experiência particular
local, mas também às características compatíveis com as formulações sociais
básicas, como sociedade de classes, capitalismo, socialismo. Eles são
incorporados nos instrumentos e sistemas técnicos que emergem daquela cultura e
reforçam seus valores básicos. Nesse sentido, a tecnologia pode ser dita ser
“política” sem mistificação ou risco de confusão.
Eu poderia fazer a teoria de Marcuse fazer sentido se ela fosse
concebida nestes termos. No nível das formas históricas concretas da cultura
técnica, há espaço para uma variedade de racionalidades diferentes, e cabe a
nós julgá-las e escolhermos a melhor. Nenhuma é verdadeiramente “neutra”, nem
mesmo a tecnologia moderna que não é mais orientada para o bem no sentido
platônico. Cada qual incorpora um projeto histórico, um modo particular de
resolver os aspectos tecnologicamente indeterminados de modelos de instrumentos
e sistemas.
É verdade que a racionalidade tecnológica capitalista emergiu
através da destruição da technai herdada, baseada nos valores
tradicionais incompatíveis com o novo sistema de produção. Isto mostra sua “neutralidade”
junto às essências para as quais estes valores anteriormente orientaram a technai.
É essa abstenção de ter essência que dá à moderna tecnologia sua
auto-compreensão peculiar positivista e faz ela parecer ser “pura” em relação
às influências sociais. De qualquer maneira, como Marcuse argumentou, a
rejeição dos objetivos com uma essência favorecem outros valores ligados a
problemas de controle do trabalho e dos recursos, enfrentados pelo capitalismo
no curso do seu desenvolvimento. Longe de ser um valor neutro, a tecnologia
moderna é enraizada em uma estrutura estimativa específica do mesmo modo que
todas as outras tecnologias. Ela difere apenas na sua mais básica ligação a
valores, que não está explicitamente formulada nem como um fim, nem como numa techne,
mas implícita no seu sistema de controle.
Marcuse apela à experiência estética, porque um novo lugar de
valores tecnológicos se esforçava para apresentar as reivindicações dos seres
humanos por um amplo grau de paz, liberdade, e pela realização da construção da
racionalidade tecnológica. O retorno da tecnhe em uma base moderna não
desfaria os princípios técnicos fundamentais da racionalidade tecnológica
existente, mas os reordenaria ao redor de outros imperativos sociais e, sem
dúvida, eventualmente levaria a descoberta de novos.
Como nós vimos, Marcuse foi levado a um critério estético pelo logos
técnico em uma tentativa de reconstruir o conceito de essência em um contexto
teórico moderno. É tranqüilamente possível discordar do seu critério, mas se
alguém rejeita a abordagem de Marcuse, me parece que este alguém deveria estar
preparado para oferecer outra. Pois, a questão de época permanece aquela que
ele escreveu. Deixe-me reformular isto em minha conclusão: como nós nos
encontramos para conduzir a tecnologia sob o controle consciente dos princípios
normativos que não seja nos movendo cegamente para frente, sob o ímpeto de um
sistema herdado, moldado por carências e lutas que podem agora estar sujeitas à
rica e poderosa tecnologia da sociedade que ela própria criou?